quarta-feira, 27 de março de 2024

As calçadas, poema

 


 


 

 

 

 

 

 

 

As calçadas do Leblon

se inclinam,

homens não podem

andar inclinados,

como se estivessem

com a vida inclinada.

Os homens inclinados

não têm prumo

e um homem sem prumo

é um barco ébrio à deriva.

Tenho a inclinação

para ver a vida de viés,

quando o mundo

é mais líquido.

 

Deve ser difícil

andar como Cristo

sobre as ondas

que são calçadas

que se movem,

Cristo devia ter

muito equilíbrio.

Um homem equilibrado

é tudo.

Meu desequilíbrio

é uma calçada

de pedras portuguesas

que me inclinam

na vida pedestre que levo.

 

Ao fim do percurso penso

que poderia ter

dois tamanhos para as pernas,

uma mais curta

para a beira dos edifícios

e outra mais longa

para perto do meio-fio.

Minha vida

é tão desequilibrada,

que também tenho

dois pensamentos:

um mais curto

para as coisas ordinárias

e outro mais longo

para o desequilíbrio do mundo.

 

 

 

 

sábado, 16 de março de 2024

Os anjos, poema

 


 


 

 

 

 

Os anjos pertencem

à espécie das aves

ou ao gênero humano?

São seres voadores

ou animais bípedes?

Se são espíritos,

então por que aparecem

pairando como beija-flores?

São várias

as espécies de anjo,

como são várias

as espécies de ave.

 

Pode um anjo ser maior

do que seu protegido?

O anjo da guarda

das crianças

são anjos pequenos?

Um anjo pode caber no bolso,

pode ter o tamanho

de um pardal?

A Bíblia fala em doze anjos

e os classifica.

Não quero saber

da lista fabulosa

dos anjos da Bíblia,

com seis asas,

outros com duas cabeças,

uns reduzidos

e outros um pouco maior

que um homem,

pecador e ordinário.

 

Trago comigo meu anjo

e sei quando se alvoroça,

mexendo as asas,

inquieto, meu anjo

não me protege dos outros,

dos homens maus

e cobiçosos,

mas de mim mesmo, quando

me encontro nervoso e febril,

tomado por outro anjo,

este decaído, mundano

e infernal.

Ora pertence

aos escândalos da carne,

ora me perdoa ser débil, 

de me servir da gula

do mundo

e das delícias da vida.

 

 

 

 

 

quinta-feira, 14 de março de 2024

Tambores, poema de Matadouro de vozes

 


 




 Que tombos ouço

que bumbam o boi?

 

O chapéu de penas

flutua o matadouro.

 

O boi de duas pernas

zabumba

o pasto do patrão.

 

As lantejoulas polvilham

estrelas na noite mais áspera.

 

Dançam as palmeiras

com seus braços embriagados

de matracas e surdos.